15 de outubro de 2010

Texto - "Encontrei seu Cão"


ENCONTREI SEU CÃO
(autor desconhecido) – Radio Globo em 23/07/05
 
Hoje encontrei seu cão. Não, ele não foi adotado por ninguém. Aqui por perto, a maioria das pessoas já têm vários cães; aqueles que não têm nenhum, não querem um cão. Acho que você esperava que ele encontrasse um bom lar quando o abandonou aqui. Mas ele não encontrou. 

Quando o vi pela primeira vez, ele estava próximo a minha casa... estava sozinho, com sede, magro e mancava por causa de um machucado na pata. Eu queria tanto ser você naquele momento em que parei na frente dele só para ver sua cauda abanando e seus olhos brilhando ao pular nos seus braços, pois ele sabia que você o encontraria, sabia que você não esqueceria dele. 

Queria ver o perdão em seus olhos pelo sofrimento e pela dor por que ele havia passado em sua jornada sem fim, à sua procura... Mas eu não era você.
E, apesar das minhas tentativas de convencê-lo a se aproximar, seus olhos viam um estranho. Ele não confiava em mim.  Ele virou as costas e seguiu seu caminho, pois tinha certeza de que esse caminho o levaria a você. Ele não entende que você não está procurando por ele.

Ele  sabe apenas que precisa te encontrar. Isso é mais importante do que comida, água ou o estranho que pode lhe dar essas coisas.
Percebi que seria inútil tentar persuadi-lo ou segui-lo. Fui para casa, enchi um balde d'água e uma vasilha de comida e voltei para o lugar onde o havia encontrado. Não havia nem sinal dele, mas deixei a água e a comida debaixo da árvore onde ele havia buscado abrigo do sol e um pouco de descanso. 

Veja bem, ele não é um cão selvagem. Ao domesticá-lo, você tirou dele o instinto de sobrevivência . Ele só sabe que precisa caminhar o dia todo. Ele não sabe que o sol e o calor podem custar-lhe a vida. Ele só sabe que precisa encontrar você. 

Aguardei na esperança de que voltasse para buscar abrigo sob a árvore, na esperança de que a água e a comida, que havia trazido,  fizessem com que confiasse em mim e eu pudesse levá-lo para casa, cuidar do machucado da pata, dar-lhe um canto fresco para se deitar e ajudá-lo a entender que agora você não faria mais parte de sua vida. 

Ele não voltou aquela manhã e, quando a noite caiu, a água e a comida permaneciam intocadas. Fiquei preocupada. Você deve saber que poucas pessoas tentariam ajudar seu cão. Algumas o enxotariam, outras chamariam a carrocinha, que lhe daria o destino do qual você nem se importou que pudesse acontecer. 

Voltei na manhã seguinte e vi que a água e a comida permaneciam intactas. Ah, se você estivesse aqui para chamar seu nome! Sua voz é tão familiar para ele.
Comecei a ir na direção que ele havia tomado ontem, sem muita esperança de encontrá-lo. Ele estava tão desesperado para te encontrar, que seria capaz de caminhar muitos quilômetros sem se dar conta. 

A uma boa distância do local onde eu o havia visto pela primeira vez, finalmente encontrei seu cão. A sede não o atormentava mais. Sua fome havia desaparecido e suas dores haviam passado. O machucado da pata não o incomodava mais. Agora seu cão está livre de todo sofrimento. Seu cão morreu. 

Ajoelhei-me ao lado dele e amaldiçoei você por não estar aqui ontem para que eu pudesse ver o brilho, por um instante sequer, naqueles olhos vazios. Rezei pelo seu cão, pedindo que sua jornada o tenha levado àquele lugar no céu que ele merecia. Se você soubesse por quanta coisa ele passou... E eu sofro, pois sei que, se ele acordasse agora, e se eu fosse você, seus olhos brilhariam ao reconhecê-lo, ele abanaria sua cauda, perdoando-o por tê-lo abandonado. 

 


Por Nathália Mota

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